A constatação é só uma das faces da tensão reinante entre Lula e a cúpula militar. Entenda
É delicado o ponto da tensão entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o comando do Exército desde a eclosão dos atos golpistas do último domingo.
O Palácio do Planalto trata do assunto com contenção e comedimento para não acirrar os ânimos, mas a avaliação reinante, inclusive no gabinete presidencial, é a de que o Exército não agiu a contento para evitar a tragédia — seja por ter sido condescendente com os acampamentos bolsonaristas à porta dos quartéis, seja por sua cota de responsabilidade nas falhas de segurança que permitiram aos radicais vandalizar o coração do poder.
Em condições normais de temperatura e pressão, providências já teriam sido adotadas para afastar oficiais, de alta patente inclusive, que na avaliação do entorno presidencial teriam sido no mínimo coniventes com os golpistas.
Prevalece, porém, o entendimento de que neste momento é preciso agir com cautela para não ampliar o estresse e escalar a crise.
O diagnóstico de Lula
Nesta quinta-feira, num café da manhã com jornalistas, Lula avançou na crítica aos militares pela primeira vez desde a invasão das sedes dos três poderes .
Queixou-se do engajamento da caserna com a cartilha bolsonarista e do envolvimento do Exército no questionamento das urnas eletrônicas, das ameaças de militares contra ele próprio e contra outros petistas e da participação de familiares de generais nos acampamentos que pediam intervenção das Forças Armadas.
“Não quero saber se um soldado qualquer votou no Bolsonaro ou Lula, se um general não votou no Lula. Minha preocupação é que quem participa de carreira de Estado tem que pensar e servir ao país. Não pode ter lado”, declarou.
“O lado deles é cumprir o que está garantido na Constituição como função de cada um de nós. E isso nós vamos fazer com que aconteça daqui para frente”, emendou o presidente.
Lula admitiu, também pela primeira vez, que se recusou a assinar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem — a propalada GLO — nas horas que se seguiram aos atos golpistas para não transferir para os generais o poder de governar.
“As Forças Armadas não são poder moderador como eles pensam que são”, afirmou. Ele também se disse convencido de que a porta do Planalto foi aberta para que os bolsonaristas radicais entrassem.
“Eu estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não tem porta quebrada. Ou seja, alguém facilitou a entrada deles aqui”, declarou.
Comandante do BGP protegeu golpistas?
Esse é um ponto especialmente sensível — e é uma das questões que, não fosse o momento delicado, já teria resultado em corte de cabeças.
O presidente não disse com todas as letras, mas era do Exército a tarefa de proteger o palácio — mais especificamente, do Batalhão da Guarda Presidencial, o BGP.
Imagens da invasão ao Planalto publicadas pelo Metrópoles mostram um coronel da corporação, devidamente fardado, discutindo com policiais que tentavam prender os invasores (veja abaixo).
O vídeo indica que o coronel do Exército estava agindo para proteger os radicais bolsonaristas.
O coronel em questão é ninguém menos que o comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, a unidade do Exército responsável pela proteção dos palácios presidenciais. Paulo Jorge Fernandes da Hora (foto em destaque) é o nome dele.
Se o que ocorreu foi mesmo o que o vídeo dá a entender, não é algo trivial. Pelo contrário, é um escândalo: em vez de atuar para deter os manifestantes, o oficial que deveria guardar o Planalto teria agido em defesa dos golpistas. Ali, o oficial era o Exército.
Perguntas sem respostas
Desde segunda-feira a coluna tenta falar com o coronel, sem sucesso.
Ao Exército e ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, perguntamos se ele permanece no posto. Sobre isso, não houve resposta oficial.
Extraoficialmente, nesta quinta um militar da ativa ligado ao comando do Exército disse que Paulo Jorge da Hora segue no comando do BGP.
Esse mesmo militar tratou de defender o coronel. Disse que os ânimos estavam exaltados e que o colega “não impediu” a prisão dos invasores.
Em nota, o Exército limitou-se a dizer que “os fatos estão sendo apurados pelas autoridades competentes”.
A “guerra fria” entre GSI e Exército
Embora todas as evidências corroborem a impressão de Lula e de seu entorno de que a ação dos criminosos foi facilitada, inclusive pelos militares, para o Planalto adotar providências como a saída imediata do coronel e de outros integrantes de sua cadeia de comando poderia agravar ainda mais a tensão com a cúpula das Forças Armadas.
Na prática, a medida seria entendida como uma condenação ao Exército.
Em outra frente, igualmente ilustrativa da tensão reinante neste momento, o Exército e o GSI, comandado desde 1º de janeiro pelo general da reserva Marco Gonçalves Dias, homem de confiança de Lula, têm tratado com dedos tudo o que diz respeito às responsabilidades pela proteção do palácio.
Desde segunda, a coluna enviou uma série de perguntas tanto ao comando do Exército quanto ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência para tentar entender, com precisão, a sucessão de erros que permitiu a invasão.
Sem dar detalhes, o Exército jogou a responsabilidade para o GSI: ao responder se houve demora ou inação do BGP, afirmou em nota que “a segurança do Palácio do Planalto é coordenada pelo Gabinete de Segurança Institucional” e que “todas as demandas do GSI nesse sentido, apresentadas ao Exército Brasileiro, foram atendidas oportunamente na ocasião”. O GSI não respondeu.
José Múcio e a cara da crise
Outro faceta da crise entre Planalto e militares (leia mais aqui) envolve o ministro da Defesa de Lula, José Múcio Monteiro, que nos bastidores tem sido torpedeado por petistas graduados e outros aliados do governo.
A leitura desses críticos é a de que Múcio, escolhido por ter perfil moderado e ser bem aceito entre os comandantes militares, está agindo para blindar as Forças Armadas e deixando de levar em conta os interesses do governo.
Nos últimos dias, petistas e seus satélites fizeram circular o rumor de que o ministro estaria demissionário. Múcio negou. Lula também — até porque perder o ministro a esta altura seria outro fator capaz de degradar ainda mais o já deteriorado ambiente.
À coluna, uma pessoa próxima do ministro disse que ele está trabalhando “na conciliação”. Um general que até pouco tempo cerrava fileiras com o núcleo do bolsonarismo e transita bem entre os integrantes da atual cúpula militar dá a medida do ponto da crise: “A sociedade precisa se unir e jogar água na fervura”. Fervura define.
Com informações do Metrópoles -
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