Microempresa levou contrato de R$ 285 milhões do Ministério da Saúde. Advogado é ex-chefe de departamento responsável por contratos
Laura Braga/Metrópoles |
Um advogado que atua para uma empresa que fechou contrato de R$ 285,8 milhões com o Ministério da Saúde para fornecimento do medicamento imunoglobulina foi chefe de um departamento-chave da pasta no governo de Michel Temer (MDB). Com escritório em Recife (PE), Tiago Pontes Queiroz atua para a microempresa goiana Auramedi Farmacêutica em processos que tramitam no Tribunal de Contas da União (TCU).
No governo Temer, ele chegou a ser chefe do Departamento de Logística em Saúde (DLOG), justamente a área responsável por acompanhar e avaliar os contratos de compras de insumos estratégicos para a saúde. Ele garante que não tem mais qualquer contato dentro do ministério.
O advogado também foi secretário Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional, do Ministério do Desenvolvimento Regional, já no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas foi exonerado a pedido em 2021 após ser alvo de busca e apreensão em uma operação da Polícia Federal que envolvia investigação do período em que ele esteve no Ministério da Saúde.
Hoje ele é réu no processo, oriundo de denúncia do Ministério Público Federal que aponta fraude na compra de medicamentos de alto custo da pasta. Em sua defesa, ele diz que os fatos investigados são anteriores ao período em que chefiou o DLOG.
No primeiro semestre deste ano, o Ministério da Saúde fechou contrato sem licitação com a chinesa Nanjing Pharmacare, que é uma trading — ou seja, atua como intermediária entre fabricantes e compradores —, e a Auramedi na figura de representante nacional. Ao dispensar o pregão, a pasta alegou urgência e citou um acórdão do TCU que determinou “medidas estritamente necessárias para garantir o estoque” do medicamento.
Em setembro, o Metrópoles mostrou que, mesmo com apenas um funcionário registrado ao menos até março e capital social de R$ 1,3 milhão, a empresa goiana Auramedi conseguiu o contrato como representante da Nanjing no ministério.
Além de ter sido diretor do DLOG, Tiago atuou como substituto eventual do diretor do DLOG, de abril de 2017 a maio de 2018 – em boa parte desse período, o ministro da Saúde era Ricardo Barros (PP), figura do Centrão que também é réu no mesmo processo que o advogado.
Tiago foi, ainda, chefe da assessoria parlamentar do gabinete do ministro e coordenador-geral de licitações e contratos de insumos estratégicos. Já em 2020, no governo Bolsonaro, por indicação do Centrão, o advogado assumiu o cargo de secretário Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional.
Contrato Auramedi e Nanjing
O acordo com a Nanjing e a Auramedi, de abril, foi para fornecimento de 293,5 mil frascos de imunoglobulina humana, um medicamento hemoderivado, ou seja, produzido a partir do sangue, usado para melhorar a imunidade de pacientes acometidos por uma série de doenças, como síndrome de Guillain-Barré. Todos os lotes do medicamento já foram entregues, e os pagamentos das últimas parcelas ainda estão sendo finalizados.
A Nanjing e a Auramedi tentaram no TCU, com a atuação de Tiago, suspender o contrato de uma concorrente, a Farma Medical. A empresa também assinou contrato com o Ministério da Saúde no âmbito do mesmo processo de dispensa de licitação. A contratação era de R$ 87 milhões para 90 mil frascos do mesmo medicamento, como empresa configurava como representante nacional da Prime Pharma LLC, dos Emirados Árabes.
O TCU não atendeu aos pleitos da Nanjing e Auramedi. A Farma Medical chegou a entregar um terço do previsto no contrato, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) interditou apontando irregularidade no transporte.
Além desse caso, Pontes defende o interesse das duas empresas em um processo protocolado por parlamentares federais que pedem a apuração do tribunal no contrato fechado neste ano. Os pedidos foram enviados após reportagem do Metrópoles. A área técnica do TCU os considerou improcedentes, apontando que “não foram encontrados indícios de irregularidades na condução da dispensa de licitação”. O caso ainda precisa ser analisado pelos ministros.
Réu
Tiago Queiroz é réu ao lado de outros ex-servidores e do próprio ex-ministro Ricardo Barros em um processo de improbidade administrativa, no qual são acusados de terem praticado atos administrativos irregulares que geraram prejuízo ao erário, beneficiaram uma empresa e deixaram pacientes sem medicamentos de alto custo.
A primeira denúncia do caso pelo MPF ocorreu em dezembro de 2018. No documento, o órgão aponta que a situação contribuiu para o agravamento do quadro de saúde de pacientes e levou ao menos 14 deles à morte.
No último dia 1º de novembro, a CGU publicou a decisão que impede, por oito anos, que Tiago seja indicado, nomeado e tome posse em cargos ou funções de confiança no Executivo federal, afirmando que ele praticou infração disciplinar no Ministério da Saúde no âmbito desse mesmo caso em que ele é réu na Justiça.
Outro lado
À reportagem Pontes ressaltou que em momento algum orientou a empresa Auramedi ou Nanjing nas etapas do processo de dispensa de licitação. O advogado frisou que as pessoas que conhecia no ministério sequer estão mais na pasta, e que não mantém qualquer contato.
“É algo que eu tenho o maior cuidado. (…) Eu só soube que a Auramedi ganhou o procedimento depois. Eu não sabia que existia Auramedi. E não tem nenhum contrato da Nanjing que tenha sido feito no período em que eu trabalhava no ministério”, disse, pontuando que advoga para a Nanjing, e que o contato com a empresa goiana se dá apenas pelo fato de ela ter fechado um acordo comercial para representar a chinesa.
O advogado afirmou que ele ou as empresas “não têm tido privilégio nenhum dentro do ministério”. “A minha vontade é cuidar da advocacia. Faço questão de não me meter nessas questões do ministério. Se tem uma pessoa que quer cada vez mais separar esse tipo de coisa, sou eu”, enfatizou, afirmando que quer distância da política depois das denúncias e do processo ao qual responde envolvendo compra de medicamentos na pasta.
Ao falar sobre o processo no qual é réu, disse: “Quando você tem culpa no cartório, acho que o povo abstrai. Mas quando não tem culpa, é uma tormenta. Eu não tenho interesse político nenhum, só quero cuidar da minha advocacia, pagar minhas contas e viver em paz (…) A gente é culpado por uma coisa que os outros fizeram”.
Apesar de dizer que quer distância da política, o advogado saiu como candidato a deputado estadual em Pernambuco no ano passado pelo Republicanos e obteve 42.391 votos. Não se elegeu, mas é suplente. Sobre isso, pontuou: “Disputei porque, na minha cabeça, era uma forma de me reerguer. E eu perdi e não quero continuar tocando nisso. Minha vida foi feita na advocacia privada. [A política] é uma coisa que para mim está totalmente encerrada”.
Dono da Auramedi, Fábio Granieri enviou nota à reportagem ressaltando que Tiago Pontes não assistiu à empresa “no processo emergencial de licitação em nenhum momento” e que ele “atuou diretamente para a Nanjing Pharmacare junto ao TCU e em processos no Judiciário relacionados apenas a temas específicos da Nanjing Pharmacare”.
Manifestação do Ministério da Saúde
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que “não existe qualquer tipo de favorecimento ou tratamento especial por por parte do DLOG a nenhuma empresa fornecedora”.
Leia a íntegra da nota:
Todos os processos do Ministério da Saúde, incluindo aqueles encaminhados pelo Departamento de Logística (DLOG), seguem os princípios que regem a administração pública — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Não existe qualquer tipo de favorecimento ou tratamento especial por parte do DLOG a nenhuma empresa fornecedora.
O processo de compra emergencial, do qual saiu vencedora a Nanjing Pharmacare, ocorreu de forma pública e transparente, seguindo todos os ritos necessários para casos emergenciais e em atenção às orientações do Tribunal de Contas da União (TCU). A empresa dispõe de registro em países com agências regulatórias de excelência, membros do ICH (International Council for Harmonisation) e certificação de boas práticas de fabricação. Registre-se que o preço de venda foi o menor dos últimos anos, resultando em uma economia de R$ 343 milhões aos cofres públicos. Além disso, a contratada entregou todos os 293.538 frascos (100% do contratado).
Em relação à Farma Medical/Prime Pharma LLC, uma entrega com 31 mil frascos foi realizada a quatro dias do vencimento da vigência contratual. Entretanto, a carga foi interditada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em face da ausência de monitor de temperatura. O Ministério da Saúde instaurou processo administrativo para aplicar as devidas sanções administrativas decorrentes do descumprimento do contrato.
Com informações do Metrópoles - Sarah Teófilo
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