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Servidor de ministério leva contrato de R$ 15 milhões sem licitação

Contrato é com verba de emenda do Senado, sem licitação e com pagamento adiantado. Servidor dono de empresa já foi investigado por corrupção


BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto
A empresa de um servidor do Ministério da Fazenda fechou um contrato sem licitação no valor de R$ 15,75 milhões com o Ministério das Comunicações. O objetivo é realizar a capacitação de crianças e adolescentes de baixa renda em novas tecnologias.

O montante destinado à empresa foi empenhado (reservado para pagar) no começo de dezembro e será liquidado antecipadamente em uma única parcela, algo incomum na administração pública.

A empresa em questão é a Rede Brasileira de Certificações Pesquisa e Inovação (RBCIP), uma organização sem fins lucrativos, com sede em Brasília (foto em destaque) e fundada em 2019. Ela tem como sócio e diretor-presidente o auditor federal do Ministério da Fazenda Marcelo Fiche.

Em 2013, Fiche era chefe de gabinete do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e foi afastado por suspeita de receber propina de uma empresa de comunicação que tinha contrato com a pasta.

Uma funcionária da empresa, que repassaria as propinas aos servidores, denunciou o caso na extinta revista Época, o que gerou uma investigação policial. Mas o inquérito foi arquivado em 2016 após a Polícia Federal (PF) entender que não havia provas de corrupção.

Indicação de empresa sem licitação


Os R$ 15,75 milhões destinados para a RBCIP vêm de uma emenda da Comissão Senado do Futuro (CSF), então presidida pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF) até ser extinta em junho deste ano e ceder lugar à Comissão de Defesa da Democracia.

Em fevereiro, Izalci enviou ofício para o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, indicando a RBCIP, que deveria ser contratada por ter “demonstrado notória capacidade na execução de programas de apoio à inovação”.

A indicação direta da empresa a ser contratada, sem chamamento público, é possível por causa da Lei nº 13.204, sancionada em 2015, que permite o uso de emendas parlamentares para entidades do terceiro setor, caso da RBCIP, sem qualquer processo seletivo.

Negociação para destravar verba


Apesar de o ofício do senador, indicando a empresa para ser contratada, ter começado a tramitar no Ministério das Comunicações em março de 2023, a confecção do contrato só foi andar com celeridade a partir de outubro.

Marcelo Fiche e outros representantes da RBCIP se reuniram com o ministro Juscelino Filho na tarde do dia 24 de outubro, na sede do ministério, em Brasília. Outros chefes do órgão participaram do encontro.

No mesmo dia, no período da noite, foi concluído um parecer técnico do Ministério das Comunicações que deu aval para a confecção do contrato sem licitação e com pagamento em parcela única adiantada.

Pagamento adiantado


A legislação brasileira não permite tal prática com dinheiro público. No entanto, uma portaria conjunta dos ministérios da Fazenda, Gestão e Inovação, e da Controladoria-Geral da União, de agosto de 2023, passou a autorizar o pagamento antecipado apenas para “fornecimento de equipamentos e materiais especiais de fabricação específica”.

Tal portaria foi usada pelo Ministério das Comunicações como justificativa para a quitação integral e adiantada.

As informações citadas na reportagem podem ser conferidas em documentos públicos do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Ministério das Comunicações, processos judiciais, consulta da Receita Federal e Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo Federal (e-Agendas).

Defesa do pagamento adiantado


Procurado pelo Metrópoles, o empresário Marcelo Fiche disse que a RBCIP tem experiência comprovada na área de ensino de tecnologia itinerante em escolas públicas e que apresentou o projeto para diferentes políticos, até conseguir a emenda da Comissão Senado do Futuro.

A previsão do projeto, que custa R$ 15,75 milhões, é atender 15 mil alunos até 2026 nos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Roraima e do Maranhão.

“Eu não vou dizer que nós somos os únicos que podem fazer um projeto itinerante nas escolas públicas, mas eu digo que sou o único no Brasil que fez um projeto avaliado e que sabe como gerenciar. Toda essa parte de gestão é quase uma exclusividade nossa. Chamamento é quando vai pegar pessoas que talvez nunca fizeram um projeto desses”, avaliou o empresário, que tem doutorado em economia. Ele destacou que a empresa também participa de processos seletivos pelo país.

No caso do contrato com o Ministério das Comunicações, Fiche defendeu que houve um trabalho de convencimento da pasta e justificativa dos valores, o que foi aprovado pela área técnica do órgão.

Sobre o pagamento adiantado em parcela única, Fiche avaliou que a medida é importante para a empresa conseguir menores preços à vista. “Se sobrou recurso, o dinheiro é do ministério e pode ser reaplicado no projeto ou não.”

Já em relação ao processo por suspeita de corrupção em que foi inocentado, Fiche afirmou que foram acusações infundadas contra ele e outros servidores. “Ali foi só uma acusação e nunca teve nada. Se era verdade, por que não deu em nada? Misturar isso com o projeto de agora é uma maldade da imprensa.”

Escolhido por maioria


O senador Izalci Lucas reiterou por telefone que na época da destinação da emenda já não existia nenhuma pendência judicial contra Fiche. O parlamentar disse que conhece o empresário pelo menos desde 2012, quando o parlamentar era secretário de Ciência e Tecnologia do DF e Fiche liderava projetos de pesquisa em universidades de Brasília.

Izalci Lucas defendeu que a escolha da RBCIP teve como base o projeto apresentado, assim como outros que teriam sido sugeridos por senadores para receber verba de emenda da comissão. Ainda segundo o senador, são priorizados os projetos defendidos por uma maior quantidade de senadores.

Em nota, o Ministério das Comunicações informou que não é responsável por indicar a empresa sem fins lucrativos que vai receber o recurso.

“Merece destacar que o MCom respeitou todos os parâmetros legais ao longo da análise das fases processuais permitindo firmar o Termo em questão, em conformidade com os preceitos fundamentais da administração pública federal”, escreveu em trecho da nota.

Sobre a investigação arquivada envolvendo Marcelo Fiche, o ministério disse que analisa apenas a situação jurídica da empresa e não a das pessoas físicas.

Com informações do Metrópoles - Thalys Alcântara

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